Estratégia Nacional para Saúde da Visão

As linhas (pouco) mestras da política Portuguesa que rege a legislação para a área da saúde visual ao longo dos últimos anos tem sido, como os números ilucidam, catastroficamente negligenciadas pondo em causa a redução de cegueira evitável.

Segundo Steen Jakobsen, “Portugal devia ter vergonha de não ser um país de topo mundial” e, ao nível da saúde visual, é manifestamente vergonhoso com as listas de espera do sistema nacional de saúde (SNS) superior a 2 anos em 2017.

Em Portugal calcula-se que exista um défice de 114 oftalmologistas para cobrir as necessidades do SNS. Existem cerca de 0,77 oftalmologistas por cada 20.000 habitantes a laborar no SNS (~44% de todos oftalmologistas), quando a OMS recomenda 1 por cada 20.000 habitantes. Estes números mostram claramente que a maioria dos oftalmologistas prefere trabalhar no sector privado, uma vez que trabalhar no SNS não parece ser atrativo. Idealizando uma melhoria dos cuidados visuais através do SNS, diminuiria inevitavelmente a procura pelo sector privado, não favorecendo a empregabilidade nos consultórios oftalmológicos das clínicas e hospitais privados.

Em Fevereiro de 2018, o ministério da saúde ordenou a elaboração de estratégias de intervenção ao nível da saúde visual garantindo “…a acessibilidade e a equidade de todos os cidadãos a cuidados de saúde preventivos e diferenciados, implementando políticas de governação adequadas, capazes de gerar ganhos sociais e de saúde, e promovendo o bem-estar social e a felicidade das pessoas.

A elaboração da Estratégia Nacional para a Saúde da Visão, sob a presidência de António Augusto Magalhães, teve “inspiração” nos princípios plasmados na constituição publicada em 2002.  Os seus princípios definem que “…a saúde é um direito de todos, mas também uma responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do estado; deve ser garantido o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde…”. Refere ainda que: “Definem a política de recursos humanos para a saúde, de forma a satisfazer as necessidades da população e a garantir a formação de profissionais e o seu desenvolvimento profissional contínuo...”

A elaboração destas estratégias teve como prioridade a expansão e a melhoria da rede de cuidados de saúde primários. Destacamos:

  1. Implementação de um Rastreio de Saúde Visual Infantil
  2. Implementação de um Rastreio da Retinopatia Diabética
  3. Criação de Pontos de Avaliação Básica em Oftalmologia (PABOs)

A fase inicial do rastreio de saúde visual infantil resume-se a tirar fotografias a crianças aos 2 e 4 anos de idade com o auto-refratometro PlusoptixA09.

“..The Plusoptix A09 photoscreener is not suitable for a large-scale strabismus screening when it is applied solely…”

O Plusoptix A09 fornece informação do erro refrativo dos 2 olhos em simultâneo, centragem dos reflexos pupilares, transparência dos meios e inclui ainda a fotografia da face da criança onde outras anomalias podem ser detetadas. Os valores refrativos de referenciação para consulta hospitalar são quando a Hipermetropia>= 2,0 D; Astigmatismo >= 2,0 D; Anisometropia >= 1,5 e a Miopia >=2,0 D. Posteriormente a informação é transmitida para uma central de dados onde o oftalmologista avalia os resultados. As crianças com rastreio positivo são referenciadas no prazo máximo de 60 dias.

A fase inicial do rastreio da retinopatia diabética consiste em tirar duas fotografias da retina, uma fotografia com centragem na macula e outra no nervo ótico com retinografo não medriático. Aparentemente não é usado colírio medriático, não inclui fotografias red-free e não é descriminado a área mínima visível ou a magnificação pretendida nestas fotografias. As imagens resultantes são classificadas como inconclusivas, normais ou anormais. As imagens são avaliadas por um oftalmologista que decide se existe necessidadede de referenciamento para um Centro de Diagnóstico e Tratamento Integrado, dependendo dos achados presentes nas fotografias.

A proposta da criação de Pontos de Avaliação Básica em Oftalmologia (PABOs) destina-se a “… promover a proximidade e a articulação dos oftalmologistas com os médicos de Medicina Geral e Familiar e, libertar a estrutura hospitalar de tarefas menos diferenciadas…” diluindo as listas de espera. Propõe ainda promover o rastreio do glaucoma e degenerescência macular aos 60 anos de idade, através da realização de uma retinografia, medição da tensão ocular com tonómetro de não contacto, fornecimento de uma grelha de Amsler para auto-monitorização e ainda aconselhamento aos pacientes, incluindo informação sobre dieta. Curiosamente, a proposta não inclui equipamento para avaliação da visão periférica. Tendo em conta a organização do SNS, sugere a criação de 61 pontos de avaliação básica em Oftalmologia. A criação de cada PABOs acarreta um investimento de cerca de 35 mil euros, resultando em 2,133,780 Euros, somando ainda o montante para a contratação de oftalmologistas e técnicos de diagnóstico e terapêutica (ortoptistas) para o SNS.

Lamentavelmente, mas não surpreendentemente, os optometristas foram excluídos de qualquer participação na Estratégia Nacional para a Saúde da Visão, quando existem optometristas licenciados pelas Universidades publicas há várias décadas, optometristas na vanguarda da investigação, optometristas que trabalham em hospitais públicos e que laboram em consultórios registados no SNS (entidade reguladora da saúde). Apesar das motivações contra a regulamentação da profissão de optometrista de determinados grupos profissionais, os optometristas são, sem qualquer dúvida, a solução para o problema crónico das listas de espera do SNS em Portugal.

Este artigo foi redigido com base nos documentos abaixo indicados:

Estratégia Nacional para a Saúde da Visão (pdf)

Rastreio da Retinopatia Diabética (pdf

Rastreio Saúde Visual Infantil (pdf

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A 5 de Dezembro de 2018, Augusto Magalhães na qualidade de presidente do conselho diretivo do colégio de oftalmologia da ordem dos médicos, teve a sua audiência na comissão da saúde do parlamento sobre a estratégia nacional da saúde da visão onde expressa as suas opiniões sobre os optometristas.

” …a OMS diz que a existência de optometristas não indica desempenho do sistema de saúde e sobretudo, não traduz qualidade nas intervenções para reduzir a cegueira evitável…”

“… pedir a supressão dos rastreios e a sua substituição por consultas de optometria, não é sequer uma proposta que possa ser levada a sério… ou está ferida de ignorância profunda ou está ferida por falta de seriedade…”

“… os diferentes optometristas… em comum tem … ausência de formação em saúde...”

“… Os optometristas só podem ser enquadrados como técnicos de diagnóstico e terapêutica…com a sua autonomia limitada… com a realização de tarefas que não seja a ultima decisão… a última palavra tem sempre de ser uma palavra médica… terão que exercer a sua profissão integrada em equipas multidisciplinares de saúde lideradas naturalmente por um médico especialista…”

“…Os optometristas devem estar legalmente impedidos de realizar atos de saúde em estabelecimentos comerciais ou na sua dependência…”

Canal Parlamento


6 thoughts on “Estratégia Nacional para Saúde da Visão

  1. Parece que será muito improvavel haver enquadramento dos optometristas no SNS enquanto não houver vontade dos médicos. E com isso todos os cavalheiros que fazem os testes nas oticas sem formação são um sério risco para saude!!!

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    1. Os cavalheiros a que se refere são indivíduos licenciados em optometria e ciências da visão, formados em 2 universidades públicas portuguesas, sendo que uma delas ( universidade do Minho) foi considerada recentemente como uma das melhores universidade da Europa.
      Muitos desses cavalheiros a que se refere também têm mestrado em optometria avançada.
      O desconhecimento sobre a formação de optometria leva a ter erros graves de opinião.

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      1. Refiro me aos srs e srs com cursos duvidosos feitos em Lisboa. Qual a postura presidente Upoop? Distante e silenciosa…porque será?

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  2. Para os rastreio à retinopatia diabética atraves de retinografias sem o uso de medriaticos terá de ser com camara muito boa, e mesmo assim, duvido q tire boas fotografias com nitidez- resultado- mais consultas no SNS com imagens não classificaveis – resultado: mais recursos humanos! ” O melhor rastreio do mundo” – diz o presidente! Ignorancia real ou fingida- qual a pior? Que tal diminuir a listas espera vergonhosas de pacientes diabeticos em risco cegueira? Qt mais cedo receberem tratamento, melhor prognostico como qq especialista de retina sabe! Para isto não há qq solução apresentada nestes relatorios.

    Rastreio ambliopia, como o estudo afirma, este maravilhoso autorefractometro não deve ser usado em isolamento sem outros exames. Nem a acuidade visual? Crianças hipermetropes & autorefractometros? Corrigir apenas acima de 2D miopia ou astigmatismo aos 4 anos? ERRO! Péssima pesquisa bibliografica

    Rastreio glaucoma sem campimetro? Pura niglegencia oftalmológica!?

    Rastreio DMI? Como se fosse possivel prever a DMI humida com fotografias! Só em Portugal! Prioridade ou desperdicio!?Que tal criar rede tratamento a tempo e horas?

    Parabens ao “Arquiteto” da saude Dr Magalhães por ter desenhado um plano tão pouco ambicioso, pobre e contestado, até criticado por Colegas oftalmologistas!

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  3. é efectivamente notorio a exaustão dos “arquitetos” do Colegio e da SPO no pressing lobies junto do Estado Portugues.
    Supostamente deveriam apresentar as suas questões em 10 minutos de audiencia e não 20… Isto é um detalhe, mas mostra claramente a distinção e o naturalmente à vontade dos representantes do Colegio e da SPO neste pressing.
    O que “vemos” é uma arquitectura de plano nacional onde Nós quisemos dar um contributo e fomos absolutamente ignorados porque se não fossemos, certamente que teriamos um campimetro em um exame muito rapido para o rastreio do glaucoma. O glaucoma não se rastreia só pela PIO…

    Na ultima audiencia com o nosso presidente APLO ficou claro que o PSD deu relevo á importancia de varios pontos na complementariedade entre Optometristas e Oftalmologistas e mostrou a apartir da PPL nº34 que o Estado tem a obrigação e não se pode demitir das responsabilidades no reconhecimento de profissões, no entanto o que tivemos nós?
    Uma abstenção do PSD…
    O PS pela palavra da Sra deputada Maria Montela, acusa os optometristas de não terem enquadramento legal, mas então Sra deputada, como poderiamos ter nós qualquer tipo de enquadramento, se a PPL nº34 está parada hà mais de dois anos e se nós lutamos neste processo de reconhecimento do Estado há mais de 30 anos!! A Sra deputada diz ainda que nós achamos que todo este processo tem falta de transparencia e é uma ilusão!… Sra deputada, nós somos conhecidos em todos os partidos, muitos dos deputados que se sentam no Parlamento já foram consultados por nós nos cuidados primários da visão, nós estamos em todo o Portugal de lés a lés a cuidar da visão de muitos portugueses e FOMOS completamente ignorados no plano estratégico nacional para a saúde visual do Povo Português!
    Isto é absolutamente intransparente, isto é TOTALMENTE OPACO! Aliás o Bloco de Esquerda tambem acha muito “estranho” todo este processo.
    Só o PCP pela palavra da sra deputada Carla Cruz deixou luz clara deixando claro que os governos se tem demitido de regulamentar legislação que sairam da Assembleia da Republica criando um verdadeiro embroglio na regulamentação da nossa profissão salvaguardando profissionais e utentes.

    É preciso ir para a Rua dar continuidade a estes longos 30 anos de luta pela nossa profissão.

    Pedro

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