Estratégia Anti-Optometria, Cap. II

A 5 de Dezembro de 2018, Augusto Magalhães na qualidade de presidente do conselho diretivo do colégio de oftalmologia da ordem dos médicos, acompanhado pelos oftalmologistas João de Deus e Mário Ornelas tiveram a sua audiência na comissão da saúde do parlamento sobre a estratégia nacional da saúde da visão, logo após a audiência das representantes da APOR.

Nesta audição inédita, o presidente do colégio usou e abusou do tempo de audiência gastando 20 minutos contra os 10 minutos que estão definidos pelas regras democráticas das audiências parlamentares. Augusto Magalhães e os seus colegas oftalmologistas expressaram as suas opiniões sobre a estratégia nacional para a saúde da visão e sobre o grupo profissional dos optometristas. As suas argumentações foram nutridas de raciocínios que podem e devem ser discutidos, principalmente no que toca aos assuntos relativos aos cuidados de saúde primários da visão e os optometristas.

As propostas descritas no documento para a estratégia nacional para a saúde da visão, sob a presidência de António Augusto Magalhães, tiveram como prioridade a expansão e a melhoria da rede de cuidados de saúde primários com a implementação de um rastreio de saúde visual infantil, a implementação de um rastreio da retinopatia diabética e a criação de pontos de avaliação básica em oftalmologia (PABOs).

O rastreio infantil e da retinopatia diabética estão progressivamente a alastrar-se pelo país. Estes rastreios consistem, na sua primeira abordagem com os pacientes, em tirar uma fotografia através de um autorefractómetro/retinografo por enfermeiros ou técnicos ortoptistas. Efetivamente, após uma leitura atenta dos documentos em causa, não podemos ser iludidos e compactuar com a ideia de que estes rastreios são os melhores do mundo. Pior ainda, é aceitar que a introdução do rastreio DMI e glaucoma como suposta inovação ao nível mundial, faz dos cuidados primários da visão em Portugal um exemplo de excelência.

“não podemos ser iludidos e compactuar com a ideia de que estes rastreios são os melhores do mundo”

De forma sucinta e objetiva, o rastreio infantil não tem dados relativos à veracidade dos resultados negativos durante a sua fase piloto, ou seja, não existe informação sobre eventuais problemas visuais não detetados pelo autorefractómetro PlusoptixA09. Segundo Irene Sanchez e colegas (2016), depois de avaliar as vantagens, limitações e precisão diagnóstica dos photoscreeners na deteção precoce da ambliopia, conclui que o PlusoptixA09 tem uma sensibilidade de 44,4% e especificidade de 97,7% para deteção de hipermetropia; para a deteção de miopia, a sensibilidade foi de 85,7% e a especificidade de 94,7%; para a deteção de estrabismo mostrou uma sensibilidade de 40,7% e especificidade de 98,3%. Outro estudo publicado por Xiao-Ran Yan e colegas (2015), avaliou a precisão do PlusoptixA09 onde constatou que este aparelho subestimou a hipermetropia e superestimou a miopia de acordo com o equivalente esférico, quando comparada à retinoscopia cicloplégica. Refere ainda que o Plusoptix A09 não é adequado para um rastreio de estrabismo em larga escala quando este é usado em isolamento. Para além das limitações deste autorefractómetro, o rastreio infantil peca por estar desprovido de outras importantíssimas avaliações, como a avaliação da acuidade visual e neste ponto, não parece haver margem para dúvidas!

No que toca ao rastreio da retinopatia diabética é de louvar haver um rastreio, mas infelizmente este não parece ser o melhor do mundo. Poderá ser quando houver mais dados e quando uma maior percentagem de doentes for rastreada. Pela informação descrita, parece ser um modelo que irá inevitavelmente originar falsos positivos pela não dilatação e conseguinte perda de qualidade das imagens, originando mais consultas desnecessárias no SNS. Por outro lado, o logaritmo apresentado levanta dúvidas quanto à forma pela a qual as imagens são avaliadas, nomeadamente os detalhes sobre a qualidade, nitidez ou tamanho da imagem e a respetiva hierarquia clínica na avaliação destas imagens.

Em ambos os casos, parece ser unanimo que será melhor haver rastreios do que não haver rastreios. No entanto, deve ser devidamente esclarecido junto da população alvo que um rastreio é apenas um rastreio, não substituindo uma avaliação mais rigorosa.

A criação de pontos de avaliação básica em oftalmologia (PABOs), aparenta não ser novidade e engloba um grande investimento do SNS. Segundo o oftalmologista António Augusto Magalhães a inserção de optometristas nestes centros não é sequer uma opção, por motivos pouco convincentes.

O Sr. Magalhães e os seus colegas têm elaborado uma oratória intransigente, inflexível e demagoga contra a optometria engradecendo as suas opiniões em múltiplos comunicados (incluindo emails enviados a médicos e estudantes da área da medicina), criando muros entre profissionais da visão com conseguinte prejuízo para a saúde visual dos Portugueses.

“Sr. Magalhães e seus colegas têm elaborado uma oratória intransigente, inflexível e demagoga contra a optometria”

As afirmações preferidas por Augusto Magalhães sobre os optometristas caem no ridículo, e inevitavelmente são o espelho de uma comunidade profissional que deveria ser muito melhor representada. Acusações como “profissionais amadores”, “de segunda” ou comparações a marcas de automóveis não é o esperado de um presidente de um colégio de medicina. Ainda mais grave, caso seja verdade pelo o que consta na página da APOR no Facebook, é o email enviado ao deputado do PAN repleto de afirmações arrogantes e grosseiras, bem inadequadas para as funções que desempenha. Dito isto, é de salientar que não está em causa o seu profissionalismo enquanto clínico.

Na audiência parlamentar requisitada pelos oftalmologistas, vários assuntos foram criteriosamente selecionados e convenientemente distorcidos de forma, uma vez mais, a criticar os profissionais optometristas.

Salientamos alguns:

  1. Quando cita a OMS e afirma que: ”…a OMS diz que a existência de optometristas não indica desempenho do sistema de saúde e sobretudo, não traduz qualidade nas intervenções para reduzir a cegueira evitável…”  Se não reduz a cegueira evitável, só poderá manter ou aumentar? Decididamente não faz sentido! Argumento vergonhoso e apenas direcionado à população menos informada. O que deve ser salientado, entre inúmeras evidencias é, e a título de exemplo, o relatório da OMS sobre a prevenção da cegueira na Diabetes Mellitus, onderefere haver considerável evidência científica sobre a importância e eficácia dos optometristas no rastreio da retinopatia diabética.
  2. “… Participação dos optometristas na elaboração das normas de orientação clínica, não são propostas para levar a sério Srs. deputados, e não são porque esta é uma competência definida por lei pela ordem dos médicos, não é para amadores…”. A participação dos optometristas nestas normas faz todo o sentido, de forma a haver um processo de referenciamento adequado e atempado entre os cuidados primários e secundários, salvaguardando a saúde visual dos pacientes. 2 Milhões de consultas de optometria anuais sem um protocolo de encaminhamento para cuidados secundários é uma falha gravíssima do SNS Português.
  3. “… Numa espécie de confissão, uma proposta de reformulação curricular dos cursos de optometria, propõe um alargamento do curso de 3 para 5 anos, e já agora gostariam de ter um estágio hospitalar onde os oftalmologistas pudessem participar…”. O paradoxo sobre a proposta da duração da formação dos optometristas de 3 para 5 anos que o Sr. Magalhães afirma, é igual ao paradoxo da formação em oftalmologia de 4 para 5 anos. O estágio hospitalar é de extrema importância no enriquecimento curricular dos optometristas e não é uma ideia antiquada como possa parecer aos olhos de profissionais mais conservadores e mente cerrada. Aliás, estes estágios podem ser uma fonte de financiamento para os hospitais.
  4. “…Só podem ser enquadrados com TDT (…) tem de ter a sua autonomia limitada na nossa opinião (…), eles podem fazer atos em saúde se para isso forem habilitados, se para isso melhorarem a sua formação, mas a última palavra tem sempre de ser a palavra médica…”. A definição de optometrista, como profissão autónoma, não se enquadra minimamente neste raciocínio. Mais uma vez, agora pela voz do presidente do colégio de oftalmologia, parece subsistir a ilegalidade quando os ortoptistas exercem a sua atividade de forma isolada nas óticas.

“ …parece subsistir a ilegalidade quando os ortoptistas exercem a sua atividade de forma isolada nas óticas.”

  • Finalmente, no que toca aos exemplos enunciados pelos oftalmologistas sobre as supostas irregularidades do campo de ação dos optometristas, incluindo a renovação da carta de condução, é efetivamente, o resultado da crescente confiança dos médicos de clínica geral e familiar depositada nos optometristas. Não faltam exemplos sobre a o trabalho duvidoso de alguns oftalmologistas, como os expostos numa reportagem televisiva há uns meses atrás.

Existe suficiente evidencia sobre a mais valia da integração e regulamentação adequada dos optometristas na sociedade Portuguesa. Não é um risco para a população, é um ganho a todos os níveis e uma grande poupança para o SNS e por conseguinte para o contribuinte.

Ler: Cap. III

Ler: Cap. I

OptoVisionarium, Fevereiro 2019