
De acordo com as diretrizes de manuseamento clínico do Colégio dos Optometristas – UK (College of Optometrists, 2018), pacientes com pressão intraocular elevada superior a 21 mmHg em ambos os olhos (medido por tonometria de aplanação de Goldmann) em 2 ocasiões diferentes, sem evidência de dano no nervo óptico e campo visual normal, ângulos de drenagem abertos na gonioscopia e ausência de outra patologia que pudesse explicar a PIO elevada, corrobora o diagnóstico de hipertensão ocular (HTO).
A HTO afeta 3–5% dos indivíduos com mais de 40 anos de idade e a prevalência aumenta com a idade (NICE, 2017); 4,5% a 9,4% em pessoas com mais de 40 anos (College of Optometrists, 2018); 3,56% em latinos adultos (Rohit Varma et al., 2003).
Um estudo multicêntrico randomizado com 1636 participantes (HTO Study– HTOs), mostrou que os participantes com HTO tratados com medicação tiveram uma redução de 50% do risco relativo de desenvolver sinais de glaucoma após 5 anos (Kass et al., 2002). Após 13 anos, 16% dos participantes do grupo tratado com medicação converteram-se em pacientes com glaucoma, versus 22% sem tratamento (Kass et al., 2010). Este estudo demonstrou que idade mais avançada, maior relação escavação-disco, maior PIO, maior desvio padrão do padrão de campo visual (PSD) e espessura corneal central (ECC) mais fina, são fatores risco aumentados para a conversão para glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) em indivíduos com OHT. Fatores de risco semelhantes para progressão de HTO para glaucoma, foram encontrados no European Glaucoma Prevention Study (Miglior et al., 2007).
“…Idade mais avançada, maior relação escavação-disco, maior PIO, maior desvio padrão do padrão de campo visual (PSD) e espessura corneal central (ECC) mais fina, são fatores risco para conversão de HTO para GPAA…”
HTO Study; European Glaucoma Prevention Study
Para alem do exposto e com base nos resultados do HTO Study, tratar pacientes com HTO que tenham os fatores de risco claramente identificados, é um custo-benefício para prevenir o aparecimento de danos glaucomatosos (William et al., 2008). Adicionalmente, uma revisão Cochrane concluiu que a redução da PIO em OHT com tratamento farmacológico tópico teve um efeito protetor no campo visual (Vass et al., 2007). Além disso, a PIO elevada e não tratada é um fator de risco para oclusão da veia da retina (Barnett et al., 2010).
Estas evidências são a base do NICE (National Institute for Health and Care Excellence – UK), que demonstraram um claro benefício na redução da PIO em pacientes com OHT, onde córneas finas, idade, história familiar de glaucoma e PIO elevada foram considerados fatores de risco.
A primeira linha de tratamento recomendada pelas diretrizes do NICE (NG81, 2022) para pessoas com HTO em risco de desenvolver deficiência visual (fatores de risco incluem nível de PIO, ECC, histórico familiar, expectativa de vida [1.2.6]), é a trabeculoplastia seletiva a laser (TSL) de 360º ou análogo genérico da prostaglandina (PGA) quando a TSL não é adequada.
A primeira linha de tratamento recomendada para pessoas com HTO em risco de desenvolver deficiência visual é a trabeculoplastia seletiva a laser (TSL).
NICE Guidelines 2022
Esta recomendação é baseada num estudo de alta qualidade – estudo clínico LIGHT (Gazzard et al., 2018), que mostrou que este tratamento laser – TSL, é tão eficaz quanto o colírio, com custo-benefício superior, no tratamento de primeira linha em pacientes com HTO e glaucoma primário de ângulo aberto. Fatores como a adesão e a capacidade de administrar colírios são outra vantagem significativa.
No entanto, um estudo longitudinal controlado randomizado realizado em vários locais, encontrou uma redução PIO superior com medicação do que com TSL (Ang et al., 2020).
Os análogos de prostaglandina, que reduzem a PIO principalmente aumentando o fluxo uveoscleral pelo relaxamento do músculo ciliar, são o tratamento de primeira linha para o glaucoma, devido ao seu perfil de tolerabilidade mais favorável (Lin et al., 2014). Eles também podem ter algum efeito para aumentar a saída do humor aquoso através da malha trabecular (Bowling, 2015). As contraindicações incluem gravidez, amamentação e queratite ativa por herpes simples. Devem ser tomadas precauções quando estão presentes condições inflamatórias oculares. Os efeitos colaterais mais comuns relatados incluem escurecimento da íris, alongamento dos cílios, pigmentação da pele e alergia ao excipiente cloreto de benzalconio (BNF, 2022).
Pelo menos 3 estudos diferentes não encontraram diferença significativa entre latanoprost e outros PGA em termos de eficácia no controle da PIO (Perry et al., 2012; Cucherat et al., 2014). Por outro lado, outros estudos mostraram que o bimatoprost 0,03% parece ser mais eficaz para o controle da PIO em comparação com o latanoprost 0,005%. No entanto, o latanoprost a 0,005% é melhor tolerado (Aptel et al., 2008; Lin et al., 2014; Tang et al. 2019).
As diretrizes do NICE sugerem um análogo genérico de prostaglandina, mas não especificam critérios para qual PGA genérico (NG81, 2022). A eficácia dos análogos da prostaglandina é de 25-35% de redução na PIO (Diretrizes EGS, 2020). Se a monoterapia não conseguir diminuir a PIO para valores adequados, devemos sugerir terapia dupla ou SLT (NG81, 2022). Em resumo, o tratamento precoce em pessoas com HTO diminui a incidência cumulativa de glaucoma, onde este efeito é maior em indivíduos de alto risco.
OUTROS TRATAMENTOS
A patogénese do glaucoma não está completamente compreendida e parece ser multifatorial e não apenas o resultado da PIO elevada. O atual tratamento do glaucoma está focado principalmente na redução da pressão intraocular para evitar ou retardar a progressão da doença. No entanto, outros tratamentos com efeito neuroprotetor e melhoria do fluxo sanguíneo ocular podem desempenhar um papel importante no contexto de glaucoma, de forma a prevenir isquemia e danos oxidativos que resultam em apoptose das células ganglionares da retina e danos no nervo óptico.
Consequentemente, outras terapias têm sido propostas como adjuvantes aos tratamentos atuais.
Um estudo Indonésio avaliou o efeito do extrato da planta ginkgo biloba, em pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) com pressão elevada. Após seis meses, relataram uma melhora nos marcadores de stresse oxidativo, campos visuais e espessuras superior e inferior da camada de fibras nervosas da retina (Park et al., 2011).
Outro estudo realizado em pacientes com GPAA, mostrou um efeito benéfico na função interna da retina com consequente melhora das respostas corticais visuais em pacientes em tratamento com CoQ10 e colírio de vitamina E (Parisi et al., 2014).
Uma revisão Cochrane concluiu que não havia evidências suficientes para apoiar o benefício da acupuntura em pacientes com glaucoma ou HTO, destacando as dificuldades desses estudos em países com um padrão de tratamento convencional estabelecido (Law et al., 2020).
A Universidade de Cardiff vai investigar a possibilidade de usar células-tronco da medula óssea para prevenir danos causados pelo glaucoma. Outra equipa de investigação, liderada pelo professor David Garway-Heath, iniciará um ensaio clínico de 4 anos para testar a eficácia da nicotinamida, uma forma de vitamina B3, como tratamento para o glaucoma.
Para concluir, apesar do uso de medicamentos, tratamentos a laser e cirurgia para redução da PIO, continuarem a ser a única estratégia de manuseamento para reduzir a PIO e preservar a função visual baseada em evidências, outras terapias devem ser consideradas, uma vez que os pacientes podem perder a visão apesar da intervenção médica ou cirúrgica adequada para controle da pressão.
Optovisionarium, 2022
REFERÊNCIAS
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Cucherat, M. et al. 2014. Relative Efficacy and Safety of Preservative-free Latanoprost (T2345) for the Treatment of Open-Angle Glaucoma and Ocular Hypertension. An Adjusted Indirect Comparison Meta-Analysis of Randomized Clinical Trials. Journal of Glaucoma: January 2014 – Volume 23 – Issue 1 – p e69-e75
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